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segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Sincretismo na Bahia: São Lázaro e Omolu. Orixás e Santos Cristãos da cura, da morte e dos empobrecidos.


É comum na Bahia considerar o dia de segunda-feira, dia santo para a honra dos santos cristãos Lázaro e Roque e dos orixás africanos Omolu e Obaluayê. A Igreja de São Lázaro, na Estrada Velha de São Lázaro, região entre os bairros de Ondina e Federação, atrai centenas de devotos da Igreja Católica e dos Terreiros de Candomblé da cidade do Salvador. Todos em geral vestidos de Branco, portando contas, rosários, medalhas... objetos religiosos que expressam a fé nos santos e nos orixás.

Lázaro, irmão de Marta e Maria era grande amigo de Jesus. Segundo a Bíblia foi ressuscitado por Jesus em Bethania. Atesta algumas tradições cristãs que o santo evangelizou na Ilha de Chipre e lá provavelmente morreu. O texto bíblico mostra com profunda sensibilidade parte de sua história e evidencia que Lázaro era muito querido pelo Cristo, pois este chorara ao saber da noticia de sua morte. Suas irmãs, Marta e Maria, mulheres simples também mui estimadas por Jesus já haviam perdido as esperanças, pois Jesus chegara “tarde” demais. “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido”,“ Senhor já cheira mal, é o quarto dia” eram as vozes das irmãs Marta e Maria desoladas pela falta do irmão já com o cadáver em decomposição a aguardar apenas o tempo para cicatrizar a dor do irmão que partiu para o outro mundo. Porém o Cristo, portador e arauto da vida em abundancia dá a ordem que re-estabelece as forças vitais “Lázaro, vem para fora!”.  E Lázaro voltou a viver! Lázaro não deixou escrito como era o reino dos mortos e se de fato este plano espiritual existe, mas, testemunhará a vida restituída por Jesus, seu amigo e mestre até que experimente novamente a irmã morte.

Roque, um francês, nascido em Montpellier, na idade média, com data imprecisa, era um peregrino penitente, sua imagem atesta isto ao ser representado com as vestes dos peregrinos que partem rumo a Compostela na Espanha em visita ao túmulo do apostolo São Thiago Maior. Pouco se sabe de sua vida com exatidão. Para uns teria sido um enfermeiro taumaturgo que curava as pessoas vitimadas pela peste negra, para outros apenas um eremita que isolara na melancolia das florestas, seguindo-se a partir destes fatos uma série de narrativas lendárias fortemente manipuladas pelo imaginário popular da idade média. Conta ainda uma tradição que alguns cachorros lhe curaram as feridas das pernas, apenas com as lambidas e que estes cães lhe traziam o pão diário durante o isolamento da floresta. Verdade ou não assim Roque é representado na iconografia cristã: um homem com pernas feridas e cachorros ao redor. É invocado pela cristandade nas ocasiões de epidemias e toda sorte de doenças. A ele foi erigida muitas igrejas pela Europa a fora, especialmente nos períodos em que vigoravam as epidemias dizimadoras de grande parte das populações.
Os Santos Católicos Lázaro e Roque chegaram ao Brasil graças aos portugueses que aqui se estabeleceram. Numa época em que epidemias eram alastradas pela cidade, nada mais conveniente que rezar a estes santos e erigir igrejas a estes pedindo proteção.
O fenômeno do sincretismo religioso, objeto de estudo de antropólogos e historiadores, fez com que estes dois santos fossem sincretizados com os orixás africanos Omolu e Obaluayê. A palavra sincretismo possui em sua etimologia o sufixo grego “syn” que diz da identificação ou união com algo, assim como é expresso na palavra ‘Sim’bolo, sendo aquilo que une, contrapondo ao “dya” como aquilo que aparta ou separa, daí os significados de diabo e diabólico como tudo que é separado ou distante ou que cause divisão.  O sincretismo possui então este sentido de união de crenças e não de disfarce ou mistura como é freqüentemente comentado.

Na época da escravidão, os negros, no desejo natural de todo ser humano de se conectar com o Sagrado, privados, porém deste direito, conseguiram identificar nos santos católicos as características de seus Orixás. Assim como os santos católicos são chamados protetores e intercessores, os Orixás também o são, uma vez que a palavra “ori” significa cabeça e “shá” pode significar guardião, entidade ou espírito. Portanto temos um guardião da cabeça que podemos comparar por analogia ao anjo de guarda dos cristãos.
Omolu ou Obaluayê[1], segundo algumas pessoas das religiões africanas é um orixá único diferenciado apenas pelas etapas da vida: um é adulto e outro é idoso. É uma divindade misteriosa, profundamente respeitada e temida. Seu culto é relacionado com a terra, às doenças e com o reino dos mortos. Orixá também relacionado ao tempo que passa, portanto à finitude que se instaura em um dado momento da existência de algo. Contam as narrativas que Omolu, filho da Orixá ayabá[2]Nanã[3] ao nascer fora rejeitado pela mãe por nascer com marcas pelo corpo todo. Omolu foi abandonado por Nanã na praia ainda bebê quando alguns caranguejos morderam suas feridas o deformando ainda mais. Este fato é sabido de todos os iniciados da religião yorubá no Brasil atestado pelo costume dos filhos deste Orixá não poderem comer caranguejos por lembrar a dor sentida pelo orixá. Na praia, Omolu foi encontrado por Iemanjá, a deusa das águas salgadas, e, por ela foi adotado e aliviado das feridas. As feridas cicatrizaram, mas as marcas não sumiram fazendo com que as pessoas o repugnassem e se afastassem deste. Iemanjá em toda a sua ternura de mãe lhe fez uma roupa com a palha - da -costa cobrindo-lhe desde a cabeça até os pés. Quando ocorreu a divisão dos domínios da natureza entre os orixás, Omolu ficou com a terra, elemento de onde emerge todo vegetal necessário à sobrevivência dos animais, inclusive do homem. Ficou também com as doenças em especial a lepra e a varíola.
A terra, desde os tempos antigos, sempre esteve ligada ao culto da vida e da morte. “Do pó viestes e ao pó retornarás” (livro do Gênesis). É da terra que surge as hortaliças, legumes e frutas e na terra a maioria das civilizações enterravam seus mortos. Podemos dizer que o Omolu é o orixá da vida, da subsistência e da morte pois a semente precisa morrer para brotar, se consome para gerar o broto que se transformará em alimento. Conta uma lenda que certa vez na África houve uma grande seca e escassez de alimento, quando em dado momento, este Orixá fez um grande banquete dando comida a todos os orixás, provando ser ele o senhor da terra e digno de respeito por todos os que outrora zombavam dele por sua aparência. Este banquete, conhecido por “Olubajé”, é celebrado ainda hoje, nas casas de candomblé, geralmente no mês de Agosto, quando uma série de comidas, inclusive o “duburu” (pipocas) que é a comida preferida de Omolu são distribuídas a todos os presentes em cima de uma folha venenosa chamada mamona, trazendo assim o belíssimo ensinamento de que sem o alimento morreríamos e também elucidando que a vida pode ser mais saborosa que a morte.
E o que tem a ver Omolu/Obaluayê com São Lázaro e São Roque?
São Lazaro e São Roque é freqüentemente representado com muletas e feridas, dando a entender uma situação de doença. Omolu como já foi dito possui em seu corpo muitas marcas, e, no candomblé dança de forma mais encurvada, feito o andar de Lázaro na velhice e também de forma mais lenta e introspectiva como os leprosos ou quem porta muletas. Assim como São Roque, Omolu também é festejado no mês de Agosto. É neste tempo que os terreiros saem às ruas com seus tabuleiros de pipocas pedindo donativos, caminhando horas debaixo do sol, como São Roque, o peregrino que caminhava penitentemente a Compostela. 

À pessoa do pobre e oprimido é associada a Omolu/ São Lázaro[4] e em honra destes deve-se praticar a esmola como atitude de devoção e estima aos santos. O fato de Omolu ser desprezado pela sua aparência “feia” [5] e pela rejeição sofrida o une de maneira belíssima aos marginalizados da sociedade. É justamente este “syn” que une as coisas e fatos, que nos revela a proximidade do santo com os pobres e marginalizados da sociedade. Assim também o é com os leprosos freqüentemente desprezados por classes mais afortunadas ainda nos dias de hoje. Por meio desta espiritualidade e mística do sofrimento, o próprio Omolu é que vem nos lembrar, que a peste, a doença e a morte são situações que atingem a todos, pobres e ricos. Curiosamente, a Igreja de São Lázaro e São Roque em Salvador, fica próxima a um extinto leprosário que funcionava no passado, totalmente afastado do centro da cidade naquela época. Mais uma vez vemos Omolu e Lázaro como uma das poucas entidades ao lado dos pobres e doentes protegendo estes com sua presença parceira e amiga.

O Velho, como docemente é chamado Omolu, nos revela (ou esconde) sua face sábia. Os anos vividos por este, tudo o que este já passou, são capazes de gerar ensinamentos de vida a todos nós, assim como o velho Lázaro, amigo de Jesus Cristo que ensinou muita coisa aos seus vizinhos e até mesmo longe, na Ilha de Chipre como atesta a lenda. Por ironia do destino, ou mesmo porque já fora predestinado pelos deuses, bem próximo à igreja está instalada a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA[6], centro acadêmico de dispersão do conhecimento por excelência que pretende formar pessoas no campo do saber.
E sua relação com a morte?
A Igreja católica estabelece são Lazaro como protetor dos moribundos, dado ao fato que este já passou por uma experiência de morte antes. Assim é para os cristãos enfermos, um sinal de esperança da vida e saúde que pode ser restituída. Omolu, senhor ou rei da terra como atesta o nome Obaluaiyê (Oba= rei Aiyê= terra) recebe no seio da terra o corpo já sem vida das criaturas. Assim como o Hades, na Grécia antiga, Omolu detém o domínio do reino dos mortos exercendo influência sobre os espíritos (eguns). Há algumas oferendas e trabalhos deste Orixá feitos somente nos cemitérios, considerados morada de Omolu por excelência. Ao longo, da estrada que liga a Igreja de São Lazaro à Federação são deixados “ébós” de limpeza para se livrar dos eguns e das negatividades. Usa-se ainda, o contra-egun, cordão de palha trançado (a palha é domínio de Omolu, pois é a folha morta que resiste) para se proteger e se livrar dos eguns. A mesma palha que veste Omolu é usada para espantar estes espíritos, que, por vezes atrapalham os seres humanos. Talvez a palha lembre aos eguns toda autoridade que Omolu possui sobre eles e por isso estes se mantêm longe de quem usa o cordão de palha atado ao corpo. De forma curiosa, em Salvador, berço da religião yorubá no Brasil, o cemitério mais antigo, chamado Campo Santo, fica nas imediações da Igreja de São Lazaro que por sua vez se unia ao antigo leprosário. Outro cemitério mais recente, em outra localidade é chamado não por caso de Quinta dos Lázaros.


Exercendo influência sobre as pestes, podendo curar ou exterminar, o orixá também, parece decidir que vai morrer ou não. Dado a estes aspectos, Omolu é profundamente respeitado no Candomblé. Sua saudação “atotô!” significa “silêncio”, convidando todos os adeptos à reverência, justamente por esta ali manifestado um orixá que pode destituir a vida de alguém. A sua dança chamada “Opanijé” é misteriosa e alude apenas a observação e veneração.
            Graças à sabedoria do povo negro, o culto a Omolu e Obaluaiyê, sobreviveu ao tempo. Não foi uma incorporação de valores cristãos e europeus à crença africana, mas, uma sabedoria capaz de unir (syn), ou melhor, “syncretizar” os elementos característicos dos Orixás aos santos católicos. Nos dias de hoje, as pessoas católicas ou candomblecistas, recorrem ao Santuário de São Lazaro clamando a cura pelas doenças e pedindo condições dignas para sobreviver. Uma experiência de fé incrível (na verdade, por demais crível) na cidade de Salvador: uma devoção que atravessou séculos e ainda hoje continua sendo referencial das religiões cristãs e africanas ao mesmo tempo. O que mais chama atenção é a presença amistosa de pobres e ricos na comunidade eclesial local. O que mais quer os ricos que possuem “tudo” junto daquele que é todo a favor dos pobres que “nada” possuem? Certamente, aquilo que ser humano nenhum pode dar: a saúde, a cura e a vida.


 Thiago Felipe Lima da Mata
Julho de 2013, segunda-feira,
dia dedicado a São Lazaro, São Roque, Omolu e Obaluaiyê.

Referências:
VELLOSO, Jorge. Candomblé de rua:o Bembé do Mercado. Salvador: Casa de Palavras/FCJA,2001.
VERGER,Pierre Fatumbi. Notas sobre o culto dos orixás e voduns na Bahia de todos os santos, no Brasil, e na antiga costa dos escravos, na África. São Paulo: Edusp, 2000.
BIBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Ed. Paulinas, 1985.



[1]  A questão do nome do Orixá é por demais complexa para se tratar aqui, pois, o povo de santo, estabelece qualidades e nomes próprios que diferenciam o orixá sutilmente, porém existem qualidades centrais como o uso da palha, o domínio dos mortos e doenças que parecem agregar em algo uno. Algumas qualidades ou nomes dados a este orixá podem variar de acordo com a origem deste na África. Verger apresenta nomes como Azoany, Sapatá, Xapanã, Molu, Ajunsu, Jagun, Abaluayê ligados a diferentes tribos e regiões africanas. Mais em Salvador, em geral se diz do Orixá como Omolu ou Obaluayê.
[2] “Ayabá” termo yorubá para nomear em geral as divindades femininas sendo antônimo de “Oboró” destinado aos orixás do sexo masculino.
[3] Orixá dos pântanos, manguezais e lamas ligada ao culto dos mortos e da velhice.  Omolu é considerado pertencente a família Jêje junto com seus irmãos Oxumaré, Ossanha, Ewá ,Iroko e sua mãe Nanã.
[4] Pode-se estabelecer também uma relação com outro Lázaro descrito na Bíblia. Contudo é bem improvável que este Lázaro tenha existido realmente e a história contada por Jesus seja apenas mais uma parábola.
[5] Existe uma lenda que Iansã, a deusa dos ventos, descobrira o rosto de Omolu fazendo revelar um rosto muito lindo fazendo com que esta o seguisse pelo resto da vida. Existe uma variedade de Iansã, chamada Iansã de Igbalé que vive junto de Omolu no reino dos eguns (mortos).
[6] O atual prédio da faculdade funcionava no passado como convento das freiras de Santa Úrsula (Ursulinas) conforme atesta uma placa antiga fixada no casarão.