É a vez de falar de Santa
Rita de Cássia. Para mim é a maior sofredora entre as mulheres da cristandade
onde qualquer testemunha de martírio é algo mínimo perto das penas sofridas por
Rita. Isto porque Rita foi ao fundo do poço da existência humana donde
dificilmente se consegue sair. Bem, digo estas coisas a partir do meu ponto de
vista...das minhas reflexões.
Ela nasceu em plena a Idade
Média no ano de 1381. Conforme o seu tempo era comum a educação á forja para
ser a típica mulher do lar. Isto é: a mãe de família responsável pela comida da
casa, cuidar dos filhos, cozer, zelar pelo ordenamento das coisas e ‘servir’ ao
marido quando requisitada. Era uma moça profundamente inclinada à vida
monástica. Cogitara até ser uma monja agostiniana. No entanto, obedecera a
vontade do pai. Não podia lhe contrariar. Mulher naquela época era posta em
desvantagem ao homem tendo que lhe obedecer sempre, sob as ameaças dos
julgamentos da sociedade, da Igreja e castigos do pai ou esposo.
Era uma moça extremamente
dócil, inclinada à caridade, à virtude e oração. Gostava de ajudar as
religiosas. Obedecendo a vontade do pai, acabou por se apaixonar por um homem,
Paulo, que conforme os costumes da época tinha incorporado o arquétipo do
"macho alfa", do guerreiro, da força e do machismo. Mas existia entre
eles amor. A paixão era verdadeira e mútua: Consolidou-se assim o matrimônio
feliz de ambos. Desta bonita relação nasceram dois filhos gêmeos do sexo
masculino que herdaram todo o espírito de "machão" do pai.
Até aqui tudo bem... a
coisa começou a pegar quando por rixas familiares existentes na família do
marido se intensificaram fazendo com que Paulo não tivesse outra coisa no coração
senão o desejo de vingança e ódio. Mostrara então à esposa seu temperamento
violento legando-lhe agressões de todo tipo. Rita sofria com isso tudo, pois
era mulher totalmente educada na boa doutrina evangélica que pregava a paz, o
perdão e o amor. Temia que a alma de seu marido se perdesse ao se consumir de
tanto ódio. Rita então iniciou uma cruzada de oração pela situação. Pouco antes
de se converter, Paulo foi encontrado morto à beira do caminho num ato partido
da outra família envolvida nas intrigas. Os dois filhos de Rita em plena a infância
juraram a "vendeta" em
honra do nome do pai. Rita, sofrendo a ausência do marido na situação de viuvez
com duas crianças que queriam aprender a lutar para matar pessoas sofria ainda
mais.
Na oração sincera a Deus
que sempre praticava, desejosa de agradá-Lo e num ato de amor aos filhos pedira
a Deus que lhe levasse os filhos mas que não os deixasse executar a vingança.
Aparentemente (e com os olhos de hoje) julgaríamos Rita por não amar aos
filhos. Mas a atitude dela foi um ato de amor. A vida do outro é sagrada e
homem nenhum tem direito de tirá-la. Surgiu então uma misteriosa doença que
ceifou a vida de seus dois filhos. Imaginem a dor desta perda... Dois filhos de
uma única vez... Com a dor recente da perca do marido...
Assim Rita desce ao fundo
do poço da existência humana preenchendo este poço com as lágrimas de mãe e esposa
que reclama a falta do marido e filhos. Experimenta a condição de viúva numa
sociedade onde impera o preconceito e desigualdade. Experimenta este
sofrimento, como a noite escura joanina, sentia a ausência de Deus. O Deus que
lhe era fonte de alegria e devoção parecia ter lhe virado as costas... Encontrando
forças após assimilar a dura situação fora pedir ingresso na ordem de Santo
Agostinho e foi recusada. Todas as portas da vida lhe foram fechada...
Mas a vontade do Sagrado
sempre prevalece. Ele nos surpreende e atende. Tal como o salmista Rita podia
dizer: “Na minha angústia invoquei o
Senhor, sim, clamei ao meu Deus; do seu templo ouviu ele a minha voz; o clamor
que eu lhe fiz chegou aos seus ouvidos.” (Salmos 18). Pois... Numa noite, em profunda oração e
atitude de confiança, ela invocou seus santos de devoção que lhe apareceram e a
conduziram por um caminho. No amanhecer foi encontrada no claustro das monjas
de Santo Agostinho. As freiras interpretaram o fato como um sinal divino, pois
não haveria hipótese alguma de Rita ter adentrado no monastério de altos muros
trancados por rigorosíssima fechadura. Consentiram então a permanência de Rita
no lugar.
No monastério ela levava
uma vida de rigorosa oração e duras penitências. Ficava horas ajoelhada em
oração com cilícios mais do que apertados na cintura chegando a desmaiar várias
vezes. Se flagelava como um gesto de desprezo ao corpo em detrimento do espírito
vigilante e fortificado.
Foi lhe dada uma vara de
videira já seca para ser plantada. Mesmo com o consentimento das partes que a
vara estava sem vida, Rita plantou em nome do voto de obediência.
Milagrosamente esta vara brotou e permanece até hoje no Monastério onde viveu.
Rita de Cássia sentia a
saudade do Sagrado que conhecera de forma bela na juventude e que se
manifestara também na vida de família que tivera. Queria se unir a Ele o tempo
todo. Devotada à paixão de Cristo, o Esposo Celestial, quis assimilá-la à seu martírio.
Foi quando em uma ocasião de oração ante ao crucifixo, num momento de êxtase,
pendeu-lhe um espinho da coroa de Cristo e lhe chagou a fronte causando-lhe uma
terrível ferida. Com o tempo veio-lhe a doença que perdurou até o fim de sua
vida. E ainda assim era paciente e fiel às praticas cristãs da oração e sacrifício.
Pouco antes de morrer, em plena a neve que caía rigorosamente em Cássia, pedira
a uma parenta que lhe trouxesse uma rosa que brotara perto de sua casa. Mesmo
sem muita fé, a parenta foi, e para a surpresa de todos trouxe a rosa que seria
impossível nascer sobre a neve. Rita deixa este mundo em 1457.
Assim consolida-se sua
vida.
O impossível acontece
quando não temos mais forças, mas ainda fumega uma chama interior no intimo da
gente. O impossível acontece nos momentos de extremo sofrimento, quando a
esperança está perdida e apenas ao Céu se pode recorrer. Assim Rita do
Impossível é a mulher que faz a gente encontrar esperança onde não há mais
solução. É a mulher da cruz que consegue transcender o sofrimento galgando a
ressurreição com o Cristo. É a mulher que experimenta Deus e se torna
melancólica sem perder o espírito de sentinela, aguardando a hora da chegada do
Noivo. Sua vida prova que em meio ao gélido deste mundo é possível desafiar as
leis postas e surgir como Rosa exalando perfume e beleza. Tornando possível o
que era impossível.
Por estas e outras
invoquemos Santa Rita!
Thiago Felipe