Dom
Quixote (1957), de Grigori Kozintsev , retrata a célebre história homônima
escrita por Miguel Cervantes publicada
em 1605. Trata-se de um romance que narra a história de um fidalgo que após ler
inúmeros livros de cavalaria é acometido de um surto de loucura onde assume o
papel de um cavaleiro tipicamente medieval não existente mais em seu tempo.
Dom
Quixote então, ao incorporar os moldes e costumes dos cavaleiros medievais veste
a armadura que pertenceu ao seu avô e parte pela Espanha a ajudar os fracos e
oprimidos sempre a busca de Dulcinéia sua donzela querida. Em sua jornada toma
Sancho Pança como fiel escudeiro e amigo. Saem juntos
cometendo diversos equívocos pensando sempre ajudar os fracos e oprimidos.
Assim libertam criminosos pensando que estão libertando escravos e acabam atrapalhando
ao pensar que estão a ajudar as pessoas.
Em
um dado momento são enganados por uma nobre cortesã e entra em uma dissimulação
sem saber. É reportado a um reino onde é enganado o tempo todo. Quando a farsa
é desfeita lhe é revelado que: “ É uma
brincadeira como tudo neste mundo.Ser virtuoso é ridículo, o amor e a
fidelidade são puras invenções da imaginação fértil.”
Saindo
dali se encontra com Sancho e se deparam numa região de moinhos onde travam a
famosa batalha descrita na obra de Cervantes se arrebentando todo ao chão. Em
seguidas, Dom Quixote é vencido por um servo seu disfarçado de cavaleiro que o
obriga a voltar para a casa.
O
Filme é repleto de simbolismos que muito importam nos estudos da melancolia. A
figura esguia de Dom Quixote é o arquétipo do melancólico por excelência. De
forma pálida e seca são atestadas nele as características físicas influenciadas
por Saturno/Chronos na pessoa que sofre a predominância da bile negra segundo
os gregos antigos. A armadura de Dom Quixote representa o saudosismo de um
passado... uma saudade de algo que conheceu. O Escudo traz um coração
representando o amor (Eros) e o desejo ardente que lhe move: a procura pelo
Absoluto representado na amada Dulcineia. A lança pode significar o aguilhão do
Absoluto que nos fere e nos impregna com suas marcas, tal como o dardo que
ferira o coração da mística Teresa de Avila inflamando-a toda em desejo por
este. Pode ainda cumprir a função de “axis mundis” descrita por Mircea Eliade
apontando simbolicamente a direção a ser seguida: o alto como simbologia da
morada do sagrado.
A
figura de Quixote como andarilho e louco faz uma correlação com a figura do
melancólico na renascença: um andarilho acompanhado por um cão fiel que pode
ser entendido como Sancho por analogia. Não coincidentemente recebe o epigrafo
de “cavaleiro da triste figura” associando a tristeza e apatia como
características dos melancólicos. O filme se passa num cenário de deserto. O
deserto é por excelência o lugar do melancólico, pois remete á existência
humana nua e crua. Deserto é também
lugar simbólico das hierofanias pois há aqui o simbolismo do “não lugar” morada
predileta do Sagrado.
Em
suas batalhas, seu pior inimigo é Fresno visto como o moinho de ventos. O
moinho é tempo. Tempo é o grande adversário do melancólico na sua jornada e
espera pelo Absoluto. Ao atacar o moinho, Quixote gira com as hélices deixando
transparecer quão forte é o tempo sobre a existência humana não alcançando
êxito na sua batalha.
A
corte representa toda a sociedade moderna desconstituída de valores. É a
sociedade que relativiza e cai no vazio provocado pela “morte” de Deus. É
contraposta com a família de Quixote que permanece junto a natureza e aos
costumes tradicionais, que mesmo ante a loucura do amo respeita o Sagrado do
outro.
Dulcineia
por sua vez, se manifesta no final do filme na tentativa de reanimar o
cavaleiro da triste figura. Ela pode ser entendida como o sagrado que se
desvela ao místico/melancólico usando a natureza (vento que entra pela janela)
alimentando ainda que por curto tempo seus anseios sendo capaz de preencher
todo o seu vazio. Não satisfeito, após esta cena é mostrado Dom Quixote
novamente à busca pelo deserto tal como se concebe o melancólico: alguém que
foi marcado pelo Sagrado e que não descansará enquanto não o encontrar em
plenitude.
Thiago da Mata