“Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas
coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos.”.
Acredito que
muita gente nem sempre se interessa em ler as minhas notas de face book. E não
me chateio nem um pouco com isso. Pois todo mundo tem o direito de achar
besteira, assim como eu acho em muita coisa que leio nas redes sociais. Mas
ninguém poderá tolir a minha liberdade de expressão já que como diz o poeta
Fernando Anitelli “o post é voz que nos
libertará!”.
É comum eu sempre escrever sobre algum evento
fazendo relação com a religião, folclore, tradição e simbologia do nosso povo
ainda que não me sinta preparado para fazê-lo em nível acadêmico ou em outro
que seja em vias formais. Quase sempre fiz alusão aos orixás e às coisas daqui
da Bahia onde resido hodiernamente. Não me recordo de ter escrito algo sobre meu estado que amo tanto
“Minas Gerais”. Minas assim como Bahia tem um vasto universo cultural
multidifuso em todo seu imenso território. Muito me é prazeroso falar do meu
povo. De sua cultura que só quem conhece bem saberia o quanto é esplêndido este
“trem”. Mais do que o pão de queijo, a cachaça e doce de leite, Minas trás
outros deleites como as tradições religiosas. Nestas tradições vemos a mais
sublime expressão do barroco imortalizada nas Igrejas Antigas como as de Ouro
Preto, Congonhas, Sabará e Mariana com obras de Athayde e Aleijadinho.
Nós herdamos a
fé cristã dos povos europeus que vieram aqui para tirar nosso ouro e nos
“ensinar a rezar”. Em geral fomos batizados e fizemos nossa primeira comunhão,
crisma... conforme a religião já que éramos obrigados pelos nossos pais. Não
comemos carne na Sexta-feira da Paixão até mesmo sem questionar, mais por
hábito do que pelo sentido implícito no ato devocional obrigatório segundo a
Igreja. Neste imenso clarão que é a mística do povo mineiro é incontestável a
riqueza simbólica e religiosa da Semana santa. Tradições antiguíssimas que
ainda hoje atraem curiosos, pesquisadores, turistas, cristãos ou não. Nesta
semana tão importante para o povo católico a cristandade revive os momentos
“finais” da vida de Cristo sob a égide do Mistério e dos dogmas da salvação.
Em uma cidade
do interior de Minas Gerais, cercada pelas montanhas do Espinhaço donde desce
cachoeiras belíssimas... Onde uma neblina matinal é extinta aos poucos pelos
raios do sol nascente... Onde existe gado e belos pomares... onde não tem asfalto
e nem água encanada... onde a vida é simples, a gente é pouca e a fé é
tamanha... acontece a semana santa antecipada pela quaresma que é reconhecida
pelos panos roxos que tampam os santos na Igreja.
Na sexta -feira
santa, Dona Maria acorda cedinho. Nem pensa em pegar hoje na enxada da horta
nem em seus baldes usados para transportar a água que sempre busca na nascente
distante de sua casa. Troca tudo isso pelo seu rosário já faltando algumas
contas. Dona Maria, assim como seu marido José, preza muito um cafezinho
adoçado com rapadura tirada das canas que têm que cultivar no quintal. Mas
nesta sexta -feira bendita despreza tão deleitosa bebida, assim como o cigarro
de palha. Fazem isso de coração em reverência e penitência pela paixão de Jesus
Cristo. Todos os seus sofrimentos, vividos na labuta diária parecem ser hoje
insignificante perto da paixão daquele que sofreu a dois mil anos atrás a
milhares de quilômetros do seu pomar já sem frutos prenunciando o inverno. Depois de rezar, acorda seus filhos, tomam
banho rápido com a água aquecida pela serpentina do fogão á lenha. Arrumam-se com toda simplicidade e modéstia,
pois o dinheiro da família mal compra os alimentos quem dirá roupas caras. Mas
quanto zelo eles tem! Os cabelos de Mariazinha, a menor, estão cheirosos como a
orquídea perfumada que se enraíza no pé de manga-ubá do quintal. Correm para a
cidade. A “missa” é as três...logo em seguida é a procissão do Senhor morto.
Este ano terá teatro contando os últimos passos de Jesus. Todos estão ansiosos
para ver. Luiz o mais velho será discípulo figurante na peça. Está muito feliz
por isso. Um padre velho celebra o ato da adoração da Cruz, pois neste dia,
embora seja desconhecido para muita gente, não se celebra missa alguma.
A melancolia e
nostalgia parecem invadir a Igreja. O sol parece nem querer brilhar. Uma
tristeza estranha paira sobre o lugar. Se fecho os olhos tenho vontade de
chorar. Termina a celebração e é possível fazer um lanchinho com os saborosos
biscoitos de polvilho da mamãe feitos na quinta-feira. Luiz dá um show de
interpretação na hora da via-sacra ao vivo. Será chamado para o ano que vem com
papel mais notável. A mãe se emociona com o filho ator que sonha em ser doutor.
Começa a
procissão. José, pai de Luiz e Mariazinha é chamado para segurar o pesado andor
da imagem do Senhor dos Passos. Que imagem belíssima! Parece ser real. Até
cabelo e olho brilhante possui. É do século XVII, barroco da mais bela
expressividade! Na hora em que o andor
segue a rua abaixo, José pensa que assim como o Senhor da Cruz, ele também
carrega o seu fardo tendo que dá duro na lavoura para poder sustentar a
família. Mais é com a fé no Senhor dos Passos, como é chamada a imagem, que ele
caminha com saúde e ânimo nas outras semanas do ano que nem sempre são santas.
Logo atrás do andor de Jesus segue-se outro cheio de flores brancas e azuis com
uma imagem tristonha da Virgem Maria. É a Nossa Senhora das Dores toda
lacrimosa com seu coração transpassado por uma espada prateada. Dá dó ver ela
assim. Que lindos olhos ela possui. Dona Maria assim como a Maria do andor
também se reconhece no pranto explicito na estátua. Ela chora sempre no quarto
à noite, escondida de seus filhos e do marido por achar difícil a vida. Mais em
questão de minutos louva ao Deus bondoso por manter sua família com saúde e
longe da violência. Ela pede a Mãe de Deus que chora para que seus filhos
tenham muitas alegrias na vida. Que lhes afaste o mau pranto.
As luzes de
vela e um cheiro de manjericão parecem provocar um estado hipnótico na multidão...mas
bem longe de sugerir algum ópio para o povo. As mesmas ervas usadas nos chás e
temperos, estão ali agora cobrindo a imagem do Senhor Morto, descida da Cruz á
poucos minutos. O padre fala bravamente: “Jesus
morreu por todos nós! Morreu para dar Vida a todos!” Estas palavras entram
no coração e incomodam. Quer dizer que tudo isso não termina com a morte?
Encerrado o
ato litúrgico. Já são quase 21 horas. A família volta para seu lugar na roça.
Feliz por mais um ano de semana santa. Comentam da peça, das imagens, das
beatas, da força de Seu José ao carregar o andor...
A tristeza foi-se. Agora só se pensa na missa
do Sábado de Aleluia. As crianças acordarão cedinho para tacar pedras e fogo no
boneco que representa o Judas que traiu Jesus. De noite haverá uma imensa fogueira
na porta da Igreja que nem aquelas de São João. O Padre muito bem vestido irá
proclamar para todos que Jesus voltou a viver. As crianças não entendem muito
isso e pra ser sincero nem os adultos. E entre as montanhas de Minas... é
rememorado mais uma vez tudo que aconteceu numa outra montanha chamada Golgóta
no país da Judéia. E ao pé da serra, na luta da vida, na melancolia e em
família, a tradição da semana santa persiste.
Ah!!! Jose
trabalhou um pouco mais e Maria lavou roupa para uma dona rica da cidade na
segunda-feira. Sobraram uns trocados para garantir ovos de páscoa para as
crianças. No domingo terá a galinhada. Desta vez quem irá morrer será a galinha
mais gorda do quintal que será servida com um delicioso quiabo ensopado e um
angu de fubá do moinho d’água. José poderá tomar sua cachaça antes da ceia
pascal e fumar seu cigarro de palha. Não faz mal ao espírito é para celebrar.
Thiago Felipe Lima da Mata/Março de 2014
*Fotografias retiradas da Internet
*Fotografias retiradas da Internet