Olá Galera! Amigos,conhecidos e futuros amigos!
Este Blog tem por finalidade estabelecer um contato com grandes amigos e pessoas importantes para mim. Nele Postarei um pouco de mim, do meu pensar, dos momentos que ficaram marcados em minha vida e também um pouco do que gosto,textos que acho interessante, paisagens! Encontrei aqui, neste espaço, uma maneira bem legal pra fazer isto e conto com ajuda de vocês para construí-lo. Um Grande Abraço a todos!

terça-feira, 18 de março de 2014

Do Calvário da Judéia às Montanhas de Minas Gerais: A via-sacra do povo sofrido sob a luz da religiosidade e da fé.

“Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos.”.

Acredito que muita gente nem sempre se interessa em ler as minhas notas de face book. E não me chateio nem um pouco com isso. Pois todo mundo tem o direito de achar besteira, assim como eu acho em muita coisa que leio nas redes sociais. Mas ninguém poderá tolir a minha liberdade de expressão já que como diz o poeta Fernando Anitelli “o post é voz que nos libertará!”.
 É comum eu sempre escrever sobre algum evento fazendo relação com a religião, folclore, tradição e simbologia do nosso povo ainda que não me sinta preparado para fazê-lo em nível acadêmico ou em outro que seja em vias formais. Quase sempre fiz alusão aos orixás e às coisas daqui da Bahia onde resido hodiernamente. Não me recordo de ter  escrito algo sobre meu estado que amo tanto “Minas Gerais”. Minas assim como Bahia tem um vasto universo cultural multidifuso em todo seu imenso território. Muito me é prazeroso falar do meu povo. De sua cultura que só quem conhece bem saberia o quanto é esplêndido este “trem”. Mais do que o pão de queijo, a cachaça e doce de leite, Minas trás outros deleites como as tradições religiosas. Nestas tradições vemos a mais sublime expressão do barroco imortalizada nas Igrejas Antigas como as de Ouro Preto, Congonhas, Sabará e Mariana com obras de Athayde e Aleijadinho.
Nós herdamos a fé cristã dos povos europeus que vieram aqui para tirar nosso ouro e nos “ensinar a rezar”. Em geral fomos batizados e fizemos nossa primeira comunhão, crisma... conforme a religião já que éramos obrigados pelos nossos pais. Não comemos carne na Sexta-feira da Paixão até mesmo sem questionar, mais por hábito do que pelo sentido implícito no ato devocional obrigatório segundo a Igreja. Neste imenso clarão que é a mística do povo mineiro é incontestável a riqueza simbólica e religiosa da Semana santa. Tradições antiguíssimas que ainda hoje atraem curiosos, pesquisadores, turistas, cristãos ou não. Nesta semana tão importante para o povo católico a cristandade revive os momentos “finais” da vida de Cristo sob a égide do Mistério e dos dogmas da salvação.
Em uma cidade do interior de Minas Gerais, cercada pelas montanhas do Espinhaço donde desce cachoeiras belíssimas... Onde uma neblina matinal é extinta aos poucos pelos raios do sol nascente... Onde existe gado e belos pomares... onde não tem asfalto e nem água encanada... onde a vida é simples, a gente é pouca e a fé é tamanha... acontece a semana santa antecipada pela quaresma que é reconhecida pelos panos roxos que tampam os santos na Igreja.
Na sexta -feira santa, Dona Maria acorda cedinho. Nem pensa em pegar hoje na enxada da horta nem em seus baldes usados para transportar a água que sempre busca na nascente distante de sua casa. Troca tudo isso pelo seu rosário já faltando algumas contas. Dona Maria, assim como seu marido José, preza muito um cafezinho adoçado com rapadura tirada das canas que têm que cultivar no quintal. Mas nesta sexta -feira bendita despreza tão deleitosa bebida, assim como o cigarro de palha. Fazem isso de coração em reverência e penitência pela paixão de Jesus Cristo. Todos os seus sofrimentos, vividos na labuta diária parecem ser hoje insignificante perto da paixão daquele que sofreu a dois mil anos atrás a milhares de quilômetros do seu pomar já sem frutos prenunciando o inverno.  Depois de rezar, acorda seus filhos, tomam banho rápido com a água aquecida pela serpentina do fogão á lenha.  Arrumam-se com toda simplicidade e modéstia, pois o dinheiro da família mal compra os alimentos quem dirá roupas caras. Mas quanto zelo eles tem! Os cabelos de Mariazinha, a menor, estão cheirosos como a orquídea perfumada que se enraíza no pé de manga-ubá do quintal. Correm para a cidade. A “missa” é as três...logo em seguida é a procissão do Senhor morto. Este ano terá teatro contando os últimos passos de Jesus. Todos estão ansiosos para ver. Luiz o mais velho será discípulo figurante na peça. Está muito feliz por isso. Um padre velho celebra o ato da adoração da Cruz, pois neste dia, embora seja desconhecido para muita gente, não se celebra missa alguma.
A melancolia e nostalgia parecem invadir a Igreja. O sol parece nem querer brilhar. Uma tristeza estranha paira sobre o lugar. Se fecho os olhos tenho vontade de chorar. Termina a celebração e é possível fazer um lanchinho com os saborosos biscoitos de polvilho da mamãe feitos na quinta-feira. Luiz dá um show de interpretação na hora da via-sacra ao vivo. Será chamado para o ano que vem com papel mais notável. A mãe se emociona com o filho ator que sonha em ser doutor.
Começa a procissão. José, pai de Luiz e Mariazinha é chamado para segurar o pesado andor da imagem do Senhor dos Passos. Que imagem belíssima! Parece ser real. Até cabelo e olho brilhante possui. É do século XVII, barroco da mais bela expressividade!  Na hora em que o andor segue a rua abaixo, José pensa que assim como o Senhor da Cruz, ele também carrega o seu fardo tendo que dá duro na lavoura para poder sustentar a família. Mais é com a fé no Senhor dos Passos, como é chamada a imagem, que ele caminha com saúde e ânimo nas outras semanas do ano que nem sempre são santas. Logo atrás do andor de Jesus segue-se outro cheio de flores brancas e azuis com uma imagem tristonha da Virgem Maria. É a Nossa Senhora das Dores toda lacrimosa com seu coração transpassado por uma espada prateada. Dá dó ver ela assim. Que lindos olhos ela possui. Dona Maria assim como a Maria do andor também se reconhece no pranto explicito na estátua. Ela chora sempre no quarto à noite, escondida de seus filhos e do marido por achar difícil a vida. Mais em questão de minutos louva ao Deus bondoso por manter sua família com saúde e longe da violência. Ela pede a Mãe de Deus que chora para que seus filhos tenham muitas alegrias na vida. Que lhes afaste o mau pranto.
As luzes de vela e um cheiro de manjericão parecem provocar um estado hipnótico na multidão...mas bem longe de sugerir algum ópio para o povo. As mesmas ervas usadas nos chás e temperos, estão ali agora cobrindo a imagem do Senhor Morto, descida da Cruz á poucos minutos. O padre fala bravamente: “Jesus morreu por todos nós! Morreu para dar Vida a todos!” Estas palavras entram no coração e incomodam. Quer dizer que tudo isso não termina com a morte?
Encerrado o ato litúrgico. Já são quase 21 horas. A família volta para seu lugar na roça. Feliz por mais um ano de semana santa. Comentam da peça, das imagens, das beatas, da força de Seu José ao carregar o andor...
 A tristeza foi-se. Agora só se pensa na missa do Sábado de Aleluia. As crianças acordarão cedinho para tacar pedras e fogo no boneco que representa o Judas que traiu Jesus. De noite haverá uma imensa fogueira na porta da Igreja que nem aquelas de São João. O Padre muito bem vestido irá proclamar para todos que Jesus voltou a viver. As crianças não entendem muito isso e pra ser sincero nem os adultos. E entre as montanhas de Minas... é rememorado mais uma vez tudo que aconteceu numa outra montanha chamada Golgóta no país da Judéia. E ao pé da serra, na luta da vida, na melancolia e em família, a tradição da semana santa persiste.

Ah!!! Jose trabalhou um pouco mais e Maria lavou roupa para uma dona rica da cidade na segunda-feira. Sobraram uns trocados para garantir ovos de páscoa para as crianças. No domingo terá a galinhada. Desta vez quem irá morrer será a galinha mais gorda do quintal que será servida com um delicioso quiabo ensopado e um angu de fubá do moinho d’água. José poderá tomar sua cachaça antes da ceia pascal e fumar seu cigarro de palha. Não faz mal ao espírito é para celebrar.

Thiago Felipe Lima da Mata/Março de 2014


*Fotografias retiradas da Internet

Nenhum comentário:

Postar um comentário