Há
algum tempo convidado pela Professora Uilma participei de um projeto da
Faculdade de Educação da UFBA chamado “Maré de Saberes”. O Projeto era focado
no convívio com as marisqueiras que são trabalhadoras nos manguezais de
algumas cidades do Recôncavo baiano como Salinas da Margarida, São
Sebastião do Passé, Acupe e Bom Jesus dos Passos. O Professor Lourenço, Doutor
em Filosofia sempre me dizia que, eu, sendo mineiro teria que ser muito grato a
todo conhecimento do simbólico e da cultura local que me eram repassados por
aqui na Bahia. Sendo assim quero render uma singela homenagem às mulheres desta
terra e à Mãe Terra que aqui se faz presente.
Com
enorme faixa litorânea, o estado da Bahia possui também uma considerável faixa
de manguezais. Enquanto os homens trabalham em outros ofícios como a pesca em
alto mar, as mulheres se dedicam às tarefas do mangue fazendo do siri,
caranguejo e mariscos fontes de seu sustento. Na maré baixa elas saem à procura
de mariscos como o mapé, sururu, chumbinho e sarnambi. Ficam horas reclinadas
sob o calor do sol cavando na areia até encherem a cesta ou o balde. Depois, em
suas casas, vão para um fogão improvisado de blocos ou tijolos, que alimentados
com a lenha nativa ou de caixotes de feira sustentam a lata com água à ser
fervida com os mariscos até abrirem as cascas. O marisco é retirado de dentro
das conchas e armazenado em geral em embalagens contendo 1kg que são
vendidos a um preço nem sempre justo a todo trabalho tido pelas mulheres nas
feiras da grande cidade.
Na
Bahia de Todos os Santos e Orixás a senhora Nanã, sincretizada como Santa Ana é
a divindade dos manguezais e das águas lamacentas. É a orixá Ayabá mais velha. Ela conhece, portanto,
os segredos da formação do homem, pois dos domínios dela (terra) ele lhe fora
plasmado. Nanã é a representação africana-brasileira de Géia ou Gaia, a Mãe
Terra. Ela conhece os segredos da existência e somente ela detém os mistérios
de sua gênese e do seu regresso ao seu seio. Nanã-Terra é capaz de fornecer a
energia que desperta a vida na semente garantindo assim a manutenção da vida
dos animais por meio do brotar dos vegetais. Curiosamente, em outras culturas,
como a hebraica, a terra é participante ativa na criação do homem. O livro do
Gênesis conta que Yahweh formou o
homem e a mulher da terra. Da terra foram criados e à terra retornariam. O
elemento Terra traz consigo a essência da vida e da morte. É o leito que
desperta o homem, pois o homem cresce e sobrevive graças ao sustento dos
alimentos brotados dela. Mas, é o leito onde retornará sob alguns palmos de
terra como se vê na cultura funerária ocidental cristã. Geia a grande titã
grega dá origem sozinha à vários elementos e deuses, pois ela é por excelência
fecundidade, não necessitando em primeiro instante da essência masculina para
procriar. Assim também a velha Nanã, recusa a participação masculina nos seus
axés declarando-se independente de Ogum (representação masculina) para se
alimentar e sobreviver. Por isso, nos cultos à Nanã não se usa ferro (
elemento de Ogum) fazendo-se segredo de como o animal a ser sacrificado é
morto. Não se usa facas, nem qualquer metal para vitimá-lo. Os homens não são
escolhidos por Nana para sua manifestação. E todos, homens e mulheres, a temem
e lhe respeitam profundamente, por causa de sua força e dos segredos da vida e
da morte que guarda consigo.
É da
lama de Nanã que as marisqueiras tiram a vida. Na lama de Nanã, isto é, no
mangue, homem não entra. Os manguezais são domínios das mulheres. Na dança
ritualística, Nanã se mantém encurvada, posição que diz da sua muita idade.
Encurvadas também estão as marisqueiras, na lama ou na praia, à procura dos
mariscos que lhes trarão o sustento de casa.
Embora,
o mangue, se torne às vezes um lugar triste e sombrio sem ele certamente não
existiria a vida marinha. Os manguezais são responsáveis por grande parte da
manutenção das espécies do mar e sem eles muitos peixes e micro-organismos não
existiriam. O mangue é a fonte de vida do mar.
A
vida só existe graças a toda esta essência de feminilidade presente na
natureza. Não existe vida sem a mulher. Só a mulher contém o segredo capaz de
gerar a vida. Sendo rejeitada por Oxalá (essência criadora masculina) e por
Ogum (tékné) Nanã consegue se afirmar
o tempo inteiro sob o Orun (céu)e o Aiyê ( terra) pois ela possui algo que
os demais não possui: a fecundidade. Vitimada por preconceitos sociais, privada
de direitos como educação e saúde, a mulher marisqueira consegue extrair da
natureza os mariscos com uma delicadeza e habilidade que muitos homens não
saberiam usar... e garantem a sobrevivência de suas famílias.
A
mulher e mãe terra são detentoras da vida. Conhecem e detém os segredos da
geração. Sem a terra/mulher não existiriam homens. Sem as marisqueiras não
existiriam os saborosos pratos da nossa culinária baiana tão querida à nossa
gente.
Bendita seja a mulher! Detentora da
vida! Lhe é inegável a sua garra, o seu trabalho, a sua ternura, afeto, amor e
maternidade. Bendita seja a mulher marisqueira com sua coragem, sabedoria e
habilidade que, como Maria Felipe, heroína de nossa independência trazem
consigo o sonho da liberdade.
Feliz
dia das mulheres a todas as mulheres que carregam o dom da vida e que completam
as nossas vidas!
8 de
Março, dia das mulheres, sábado, dia dedicado a Nanã.
Thiago Felipe
Há
algum tempo convidado pela Professora Uilma participei de um projeto da
Faculdade de Educação da UFBA chamado “Maré de Saberes”. O Projeto era focado
no convívio com as marisqueiras que são trabalhadoras nos manguezais de
algumas cidades do Recôncavo baiano como Salinas da Margarida, São
Sebastião do Passé, Acupe e Bom Jesus dos Passos. O Professor Lourenço, Doutor
em Filosofia sempre me dizia que, eu, sendo mineiro teria que ser muito grato a
todo conhecimento do simbólico e da cultura local que me eram repassados por
aqui na Bahia. Sendo assim quero render uma singela homenagem às mulheres desta
terra e à Mãe Terra que aqui se faz presente.
Com
enorme faixa litorânea, o estado da Bahia possui também uma considerável faixa
de manguezais. Enquanto os homens trabalham em outros ofícios como a pesca em
alto mar, as mulheres se dedicam às tarefas do mangue fazendo do siri,
caranguejo e mariscos fontes de seu sustento. Na maré baixa elas saem à procura
de mariscos como o mapé, sururu, chumbinho e sarnambi. Ficam horas reclinadas
sob o calor do sol cavando na areia até encherem a cesta ou o balde. Depois, em
suas casas, vão para um fogão improvisado de blocos ou tijolos, que alimentados
com a lenha nativa ou de caixotes de feira sustentam a lata com água à ser
fervida com os mariscos até abrirem as cascas. O marisco é retirado de dentro
das conchas e armazenado em geral em embalagens contendo 1kg que são
vendidos a um preço nem sempre justo a todo trabalho tido pelas mulheres nas
feiras da grande cidade.
Na
Bahia de Todos os Santos e Orixás a senhora Nanã, sincretizada como Santa Ana é
a divindade dos manguezais e das águas lamacentas. É a orixá Ayabá mais velha. Ela conhece, portanto,
os segredos da formação do homem, pois dos domínios dela (terra) ele lhe fora
plasmado. Nanã é a representação africana-brasileira de Géia ou Gaia, a Mãe
Terra. Ela conhece os segredos da existência e somente ela detém os mistérios
de sua gênese e do seu regresso ao seu seio. Nanã-Terra é capaz de fornecer a
energia que desperta a vida na semente garantindo assim a manutenção da vida
dos animais por meio do brotar dos vegetais. Curiosamente, em outras culturas,
como a hebraica, a terra é participante ativa na criação do homem. O livro do
Gênesis conta que Yahweh formou o
homem e a mulher da terra. Da terra foram criados e à terra retornariam. O
elemento Terra traz consigo a essência da vida e da morte. É o leito que
desperta o homem, pois o homem cresce e sobrevive graças ao sustento dos
alimentos brotados dela. Mas, é o leito onde retornará sob alguns palmos de
terra como se vê na cultura funerária ocidental cristã. Geia a grande titã
grega dá origem sozinha à vários elementos e deuses, pois ela é por excelência
fecundidade, não necessitando em primeiro instante da essência masculina para
procriar. Assim também a velha Nanã, recusa a participação masculina nos seus
axés declarando-se independente de Ogum (representação masculina) para se
alimentar e sobreviver. Por isso, nos cultos à Nanã não se usa ferro (
elemento de Ogum) fazendo-se segredo de como o animal a ser sacrificado é
morto. Não se usa facas, nem qualquer metal para vitimá-lo. Os homens não são
escolhidos por Nana para sua manifestação. E todos, homens e mulheres, a temem
e lhe respeitam profundamente, por causa de sua força e dos segredos da vida e
da morte que guarda consigo.
É da
lama de Nanã que as marisqueiras tiram a vida. Na lama de Nanã, isto é, no
mangue, homem não entra. Os manguezais são domínios das mulheres. Na dança
ritualística, Nanã se mantém encurvada, posição que diz da sua muita idade.
Encurvadas também estão as marisqueiras, na lama ou na praia, à procura dos
mariscos que lhes trarão o sustento de casa.
Embora,
o mangue, se torne às vezes um lugar triste e sombrio sem ele certamente não
existiria a vida marinha. Os manguezais são responsáveis por grande parte da
manutenção das espécies do mar e sem eles muitos peixes e micro-organismos não
existiriam. O mangue é a fonte de vida do mar.
A
vida só existe graças a toda esta essência de feminilidade presente na
natureza. Não existe vida sem a mulher. Só a mulher contém o segredo capaz de
gerar a vida. Sendo rejeitada por Oxalá (essência criadora masculina) e por
Ogum (tékné) Nanã consegue se afirmar
o tempo inteiro sob o Orun (céu)e o Aiyê ( terra) pois ela possui algo que
os demais não possui: a fecundidade. Vitimada por preconceitos sociais, privada
de direitos como educação e saúde, a mulher marisqueira consegue extrair da
natureza os mariscos com uma delicadeza e habilidade que muitos homens não
saberiam usar... e garantem a sobrevivência de suas famílias.
A
mulher e mãe terra são detentoras da vida. Conhecem e detém os segredos da
geração. Sem a terra/mulher não existiriam homens. Sem as marisqueiras não
existiriam os saborosos pratos da nossa culinária baiana tão querida à nossa
gente.
Bendita seja a mulher! Detentora da
vida! Lhe é inegável a sua garra, o seu trabalho, a sua ternura, afeto, amor e
maternidade. Bendita seja a mulher marisqueira com sua coragem, sabedoria e
habilidade que, como Maria Felipe, heroína de nossa independência trazem
consigo o sonho da liberdade.
Feliz
dia das mulheres a todas as mulheres que carregam o dom da vida e que completam
as nossas vidas!
8 de
Março, dia das mulheres, sábado, dia dedicado a Nanã.
Thiago Felipe
Nenhum comentário:
Postar um comentário