*A
todos meus amigos do Nordeste
Já faz algum tempo tenho me interessado pelos aspectos
da religiosidade, imaginário e cultura do sertão. Diz-se sertão a enorme área
de clima semi-árido da região nordeste do país com uma pequena parcela do norte
de Minas Gerais (sudeste). Uma região onde a vida é dura, sofrida,
seca...condições realmente difíceis para se viver tal como ouvimos dizer por
aí. Mas, há ali também, todo um "ethos". Um modo de viver típico que
apesar da aridez da paisagem é enormemente belo. As injustiças sociais no país
quase reduziram o sertão como ao lugar da miséria extrema, doença,
fome,marginalidade e morte. Justamente quando faltam as esperanças e sentido de
viver é que surge a mística transformando a vida do sertanejo, lhe ajudando a
sobreviver, lhe dando algum sentido.
Nas culturas orientais o
deserto é tido como lugar de manifestação do Absoluto justamente por conter ali
o "nada". É neste "nada" em que o Todo se revelará e o
homem a quem ele se revelará fará a sua experiencia com o Sagrado. Tal como o
deserto é o sertão: lugar de manifestação do Sagrado por excelência aqui no
Brasil.
As historias do sertão nos
remetem quase que logo de inicio a este universo: O milagre do Juazeiro com o
Santo Padre Cícero, a experiencia de Canudos com Antonio Conselheiro, os beatos
e beatas como a menina santa, a falange dos boiadeiros, as Santas que aparecem
(Cimbres), as romarias aos locais santos, a imaginaria sacra popular, os santos
padres pais espirituais do povo...
Aliado a isto há todo um jeito de comunicar esta
manifestação: a música e dança regional, o cordel, a arte, arquitetura,
culinária... que enchem os espaços de alegria e vida. Ao seu jeito, o povo
simples do sertão vai tecendo a sua concepção de natureza, mundo e sagrado. O
povo do sertão é poeta de si mesmo. E é justamente a presença do Sagrado e do
Simbólico que darão forças ao homem e mulher do sertão para vencer as
dificuldades da vida ou resistir-lhes.
Por estas e outras razões, o mandacaru,
"grande axis mundi' do sertão é o melhor símbolo para dizer de alguma
mística no sertão: o mandacaru é um cactus que rompe toda aridez da terra mesmo
com a escassez da água e dirige-se para o céu. É uma planta que armazena a
pouca água da natureza dentro de si para se preservar. Mesmo sob as condições
de escassez e sol forte ele se mantém vivo enquanto ha toda uma secura à sua
volta. O mandacaru vencendo o tempo e as duras condições nos brinda com
belíssimas flores anunciando assim um novo tempo pro homem do sertão: chuva.
O místico, nasce em meio ao
mundo, tende a se desapegar de tudo que é terreno mirando o Céu. Conserva algum
tipo de energia espiritual dentro de si da qual também se alimenta nos tempos
em que é levado ao deserto do ser. Quando Sagrado lhe toma, vivencia um momento
belíssimo como a suavidade e beleza das flores do cactus num tempo (kairós)
fecundo e fortificante.
O homem sertanejo que faz a sua
experiência de fé, guarda dentro de si a força necessária que faz a roda da
vida girar: vive!
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